Ken: Dependência Emocional e o peso da Representatividade


“A Barbie sempre tem um ótimo dia. Ken só tem um bom dia se a Barbie nota ele.”

    No filme Barbie (2023), o  Ken principal, personagem interpretado pelo ator Ryan Gosling e, que foi criado para ser mais um acessório da Barbie Estereotipada, interpretada pela Margot Robbie, é representado de forma caricata, performando comportamentos de dependência emocional em relação à Barbie.

    No filme isso é ilustrado em cenas em que fica claro que sua autoestima e felicidade dependem inteiramente de ser notado ou não por Barbie. E, quando ele tem a oportunidade de se tornar independente, ele engaja em um plano de vingança e não buscando sua autorrealização. No seu plano vingativo, ele objetiva infligir o mesmo sofrimento que sentia diante das ações da Barbie.

    Quando ele visita o Mundo Real, percebe que são os homens que detêm o poder politico e social, mas ao invés de tentar desenvolver habilidades para conquistar uma posição de destaque no mundo real, já que ser apenas um homem não é mais o suficiente, ele decide pelo caminho mais fácil, evidenciando sua imaturidade, e também é um caminho que oferece uma possibilidade de vingança. Ken não buscou se emancipar, mas sim, manipular a situação para que os papeis se invertessem em Barbielândia, imitando assim o mundo real, onde o controle está concentrado nas mãos de homens. Para que, assim, a Barbie experimentasse como ele se sentia em Barbielândia onde tudo é para as Barbies e não para os Kens, da esperança de que ela desenvolvesse a mesma dependência emocional que ele vivencia por ela.

    No filme, Ken concretiza a fantasia de muitos dependentes emocionais que sonham com cenários em que os papeis são invertidos! E são seus alvos de dependência quem sofre com a dependência por eles.  Não priorizar seus conteúdos pessoais em detrimento de outra pessoa por dependência emocional é um quadro psicológico que propicia o sofrimento.

    Se você se identificou com o Ken ou conhece alguém que tem comportamentos de dependência emocional, aconselho que busque terapia, pois o processo terapêutico evidencia a subjetividade e auxilia na retomada do poder pessoal, diminuindo, ou até mesmo erradicando, a dependência afetiva pelo outro.

Questões referentes a representatividade e imagens

    A dinâmica entre Barbies e Kens reflete, tal como um espelho de forma invertida, a ideia inicial do mito juidaíco-cristão. Neste mito, fundador da sociedade ocidental contemporânea, a mulher é criada secundariamente para auxiliar o homem.  Em nossa sociedade patriarcal, as mulheres são frequentemente representadas como complementos dos homens e são esperadas a atender às necessidades e desejos masculinos. Esse fenômeno macro social é reconhecido como um dos fatores da dependência emocional feminina em relacionamentos heterossexuais para com a contraparte masculina. Sendo assim, podemos deduzir que a dependência emocional de Ken pode ser uma manifestação das expectativas e estereótipos de gênero impostos pela estrutura social de Barbielândia.

    Além disso, o filme ilustra como o poder das imagens e a representatividade são cruciais nos espaços de poder, comunicação e influência. É só após ter sido exposto às imagens de homens em posições de poder no mundo real que o Ken passa a contemplar outras formas e dinâmicas relacionais e de ser no mundo. O livro ‘O Mito da Beleza‘ de Naomi Wolf aborda como as mulheres são influenciadas pelas normas de beleza impostas pelo patriarcado e o papel das imagens na manutenção da ordem vigente. Para a autora, essas normas visam manter as mulheres dependentes da validação masculina e submissas aos padrões de beleza estabelecidos pelos homens. Portanto, a busca de Ken por validação por meio de sua conexão com Barbie destaca como as imagens e os estereótipos de gênero moldam nossas relações e autoestima, enfatizando a importância da representatividade para ajudar individualmente o desafio e superação desses padrões e normas de gênero.

    Apesar de ser um problema sistêmico e estrutural da sociedade, aconselho terapia se você ou alguma mulher que você conhece esteja passando por isso, pois a mudança na sociedade, a nível macro, começa a nível individual na subjetividade humana.

E aí, fez sentido para você?

 


 

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Você também pode ouvir meu podcast A Psique em Palavras, onde explorei esse tema:


Espero que tenha gostado dessa minha análise, 

Com Carinho